segunda-feira, 19 de novembro de 2012

CARTA ABERTA DO SEMINÁRIO NACIONAL DE HOSPITAIS UNIVERSITÁRIOS REALIZADO NOS DIAS 10 E 11 DE NOVEMBRO DE 2012 EM BRASÍLIA



Retirado da FASUBRA

CARTA ABERTA DO SEMINÁRIO NACIONAL DE HOSPITAIS UNIVERSITÁRIOS REALIZADO NOS DIAS 10 E 11 DE NOVEMBRO DE 2012 EM BRASÍLIA
Os trabalhadores das Universidades Brasileiras, reunidos em Brasília nos dias 10 e 11 de novembro de 2012, debateram sobre os aspectos políticos e jurídicos da EBSERH   – Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares.
Foi feito um diagnóstico preciso do que representa a adesão dos hospitais universitários a essa empresa para as universidades e para o país. Trata-se de parte de um projeto maior de como os diversos governos estão modificando o Estado brasileiro, na lógica da privatização e das parcerias público privadas.
Não há dúvidas que a EBSERH representa a privatização. Mesmo apresentando-se hoje como uma empresa de capital 100% público, as suas subsidiárias – os Hospitais Universitários – estarão enquadradas na lei das Sociedades Anônimas no capítulo referente a atividade econômica, como prevê o artigo 173: "a lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços"... Se as subsidiárias são os próprios hospitais está posto a necessidade da relação com o mercado – haja visto que a existência da própria lei tem como objeto normatizar a atuação das empresas no mercado. Logo, a busca por capital privado é latente na própria natureza jurídica da EBSERH e suas subsidiárias.
Esse processo  coloca, para o país, como nunca visto antes, um processo que desmonta todo o sistema de ensino, pesquisa e extensão na área da saúde, colocando ainda todo o patrimônio publico à serviço das grandes empresas que já exploram o setor. Isso sem contar com a quebra do atendimento de ponta que é realizado por esses hospitais, que são referência em diversas especialidades e atendem respeitando os princípios do SUS . Para além disso, a adesão à EBSERH representa um grave ataque a autonomia administrativa, didático e científica  – prevista no artigo 207 da CF – que coloca em risco a soberania nacional .
Outro aspecto grave é a precarização das relações de trabalho  dentro do ambiente hospitalar. Onde a contratação de profissionais para os HU´s não se dará mais pelo Regime Jurídico Único (RJU). Os contratos de trabalho serão celetistas sem estabilidade onde a rotatividade de profissionais além de não garantir a formação adequada  dará um caráter descartável ao trabalhador  e será prejudicial ao bom desenvolvimento dos serviços de educação e saúde.
Com a promulgação da lei o governo pressiona para que os reitores aprovem nos Conselhos Superiores das Universidades a adesão a EBSEH. É verdade que alguns dirigentes têm assinado termos com a intenção de aderir, mesmo sem passar pelos conselhos, num flagrante desrespeito ao principio da autonomia universitária e aos seus próprios estatutos.  Os próprios trabalhadores são enganados com a mentira descarada do governo de que serão aproveitados os terceirizados. A instituição de concursos com processos simplificados vai favorecer a volta do apadrinhamento que prevaleceu no serviço público antes da instituição do RJU.
Mas a luta não está perdida. A luta contra a implementação da EBSERH deve ser intensificada de todas as formas possíveis, seja no campo político, seja no campo jurídico. Devemos disputar   em todos os conselhos onde for pautada a discussão, questionar e denunciar a administração onde não for pautado ou realizado a revelia dos estatutos. Essa disputa deve se dar a cada dia e com mais afinco junto à sociedade, conquistando esse apoio importante, pois de forma direta ou indireta toda a sociedade será prejudicada se a intenção do governo for concretizada.
Entendemos que devemos continuar a luta política e que devemos contar com todas as possibilidades de enfrentamento. Mas paralelo a isso devemos fazer o questionamento jurídico junto às instâncias cabíveis. A FASUBRA já encaminhou, em parceria com a Procuradoria Geral da República uma Ação Direta de Inconstitucionalidade a partir da constatação de que a Lei aprovada fere a constituição na concepção e no conteúdo, mas é preciso que cada entidade faça o mesmo processo junto as Procuradorias Federais do Direito do Cidadão em cada estado, explorando o caráter geral da lei e a forma de encaminhamento pela Universidade.
Brasília, 11 de Novembro de 2012.
FASUBRA SINDICAL

sábado, 3 de novembro de 2012

Público X Privado


Enquanto operadoras de plano de saúde lucram, serviços públicos de saúde são enfraquecidos.

Por Viviane Tavares

Maria precisava de uma consulta médica com um especialista. Embora não fosse um caso de emergência, ela esperou quase dois meses para conseguir uma consulta e o único lugar que tinha tal especialidade era a 50 km de sua residência. A situação fictícia parece ser o retrato do serviço público de saúde mostrado pela grande mídia, mas é, na realidade, o encontrado por usuários da saúde suplementar.

Atualmente, de acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009 - Perfil das Despesas do Brasil do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)divulgada em setembro, os brasileiros gastam 7,2% de sua renda mensal com saúde, entre planos de saúde e remédios. Mas, como explicar um aumento nos gastos com saúde por parte do cidadão, superando os investimentos do poder público, e a qualidade dos serviços de saúde cada vez mais precária? 

Para Ligia Bahia, doutora em Saúde Pública e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), esse fenômeno pode ser atribuído ao aumento das mensalidades e não exatamente ao fato de mais brasileiros se vincularem aos planos privados. Apesar do aumento, ela ressalta que a qualidade do serviço prestado não acompanhou a mudança e que essa pode ser a única alternativa para muitos brasileiros. "A maioria das pessoas que adquire ou se vincula via empresa empregadora a um plano de saúde precário sabe que não pode esperar um atendimento igual ao do patrão ou dos cidadãos brasileiros ricos. A expectativa de aderir a um plano privado é a de escapar de dois grandes problemas do Sistema Único de Saúde (SUS): a demora e a total despersonalização da assistência", explica Ligia. Recentemente, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) divulgou que foi de R$ 1,27 bilhão o lucro líquido, no primeiro trimestre de 2012, de cerca de mil operadoras de saúde ativas no país. 

Despesa pública x despesa privada 

De acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009, a despesa de consumo das famílias brasileiras com bens e serviços de saúde chegou a R$ 157,1 bilhões (4,8% do PIB - Produto Interno Bruto) em 2009. Enquanto isso, a despesa da administração pública com esses bens e serviços foi de R$ 123,6 bilhões (3,8% do PIB). Portanto, como também informa o relatório Estatísticas de Saúde Mundiais 2011 , da Organização Mundial de Saúde (OMS), a iniciativa privada fica com a fatia de 56% diante de 44% dos gastos públicos com saúde. "É uma contradição estrutural. O Brasil tem um sistema universal lastreado por um financiamento de sistema segmentado. Ou seja, a expansão do mercado de planos privados só nos distancia da efetivação do SUS"

Para Ligia Bahia, esse crescimento dos planos de saúde ainda interfere na universalização do SUS. "Como as interfaces entre o setor privado e o sistema público são muito extensas no Brasil, a existência de um mercado de planos de saúde em expansão representa um obstáculo concreto à universalização do direito à saúde. Os planos de saúde são os principais vetores de desigualdade do sistema de saúde brasileiro", analisa. 

Baseado em dados da OMS, o Conselho Federal de Medicina (CFM) mostra que o governo brasileiro tem uma participação menor do que as suas necessidades e possibilidades no financiamento da saúde pública. Do grupo de países com modelos públicos de atendimento de acesso universal, o Brasil é o que tem a menor participação do Estado (União, Estados e Municípios). Esse percentual fica em 44%, quase a metade do que é investido pelo Reino Unido (84%), Suécia (81%), e muito inferior a países como a França (78%), Alemanha (77%), Espanha (74%), Canadá (71%), Austrália (68%) e Argentina (66%). 

O que a 'nova classe média' está consumindo?

De acordo com Lígia Bahia, as coberturas dos novos planos para os segmentos de renda C e D são ainda menos abrangentes do que as tradicionais dos planos básicos brasileiros, que já são bem restritas. "O desenho dos planos corresponde à acepção de diferenciação da qualidade da mercadoria de acordo com o preço. O problema é que na saúde tal distinção colide com todas as concepções sobre a igualdade biológica da humanidade", explica.

A professora lembra ainda que a estratificação social não pode ser transposta para a saúde. "Se fosse assim não seria necessário ter política de saúde. A estratificação origina discriminações e privilégios que estão na origem de filas que não andam e atendimento imediato de autoridades públicas e privadas e, portanto a demora injusta e evitável no tratamento de pacientes graves", analisa. 

Vale lembrar também que o próprio poder público ajuda a financiar a saúde suplementar ao oferecer esse tipo de benefício como parte da remuneração aos servidores. Ligia Bahia entende que falta consciência sanitária aos servidores públicos, inclusive àqueles que atuam em instituições de saúde."Muitos servidores públicos consideram que a saúde pública é para os pobres e que o plano privado de saúde ajuda porque desonera o SUS. O fato de os planos serem financiados com recursos públicos é pouco divulgado e as negociações de contingenciamento de salários em troca de alguns benefícios, que ocorrem nas mesas de negociação, nem sempre ficam explicitadas", considera. 

Mercado da saúde

O enfraquecimento do SUS em detrimento do crescimento dos planos de saúde também pode ser observado em outros aspectos. Um exemplo é a aquisição, anunciada no início deste mês, 90% da empresa brasileira Amil pela norte-americana United Health. Dependendo da interpretação, o assunto é considerado inconstitucional, uma vez que está previsto na Constituição Federal o veto a 'participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no país, salvo nos casos previstos em lei'. No entanto, a lei 9656/98 , conhecida como Lei Geral dos Planos de Saúde, autoriza a participação de capital estrangeiro. A questão, no mínimo, merece um sinal de alerta.

Isabel Bressan, diretora do Centro Brasileiro de Estudos em Saúde, em artigo publicado na página da instituição, analisa a compra e aponta o enfraquecimento do SUS em detrimento do crescimento dos planos de saúde. "Certamente, o investidor americano acredita que caminharemos para ser como nos EUA, onde o governo paga por planos mequetrefes para pobres e idosos, garantindo para as empresas de saúde uma renda imensa gerada pelo subsídio público. Não por coincidência, há um projeto de lei nesse sentido, de uma deputada federal do Ceará, que propõe o pagamento de um adicional em dinheiro para quem recebe Bolsa Família, para aquisição de plano de saúde. Há também uma sugestão de representantes das seguradoras de saúde de que o governo complemente o pagamento de planos para idosos como forma de compensar os preços exorbitantes que cobram das pessoas com mais de 60 anos. Tudo com o dinheiro que certamente faltará ao SUS e aumentará o lucro das empresas", analisa.

De acordo com o artigo, esta transição bilionária é uma nova ameaça à conquista efetiva do SUS. "Conforme destacou um considerado consultor empresarial, a compra da Amil por essa empresa americana deverá forçar a adoção de um novo modelo de saúde no Brasil - o modelo americano", enfatizou. 

*Retirado da EPSJV