terça-feira, 10 de setembro de 2013

NOTA PÚBLICA - Programa "Mais Médicos"

O Fórum Recifense pelo Direito à Saúde e Contra as Privatizações vem através deste externar seu posicionamento em relação ao Programa “Mais Médicos”, proposto pelo Governo Federal, e analisar os recentes debates promovidos pelos diversos atores políticos que por hora vem discutindo a Saúde.


A Conjuntura Política do Brasil
1 – Os problemas estruturais da Saúde do Brasil não foram enfrentados por nenhum dos Governos que sucederam a redemocratização do País e a Constituinte de 1988. Em verdade, entendemos que o pacto de elites que redemocratizou o Brasil deu a tônica dos limites das mudanças possíveis sem uma alteração radical na correlação das forças políticas: pouco espaço para a cidadania, muito espaço para reprodução do Capital.


2 – Em que pese o Governo Lula ter mantido em seu primeiro mandato a agenda econômica neoliberal, houve uma mudança na direção do avanço do Capitalismo no Brasil: se antes o privilégio era praticamente uma exclusividade do capital rentista, agora há mais espaço para o Capital Produtivo que investe no território nacional e gera empregos, recompondo a classe trabalhadora e gerando contradições importantes para a luta de classes, uma vez que não rompe com a agenda Neoliberal. Isto se desdobra no plano da Política com o maior espaço que a FIESP e seus correlatos tem na agenda governamental, o que não significa um rompimento com o capital rentista, mas a perda de sua hegemonia total, como o era nos anos FHC.


3 – Esta política Neodesenvolvimentista estabelece os limites de avanço de quaisquer políticas sociais. É por conta da manutenção destes pactos que os Governos Lula e Dilma não enfrentaram os problemas estruturais da economia do País e, por conseguinte, os problemas estruturais da Saúde. No campo do Financiamento da Saúde, mantiveram a DRU (Desvinculação das Receitas da União), que tira todos os anos preciosos bilhões de reais para manter a política de superávit fiscal; aprovou a EC 29 com perdas significativas para o Setor; mantém intocada a criminosa parcela que beira os 40% do Orçamento Geral da União para amortização de juros da dívida, beneficiando os portadores de títulos públicos. Em suma, manteve a política de subfinanciamento do SUS.


4 – Manteve ainda a política de desfinanciamento do setor público, ao repassar vultuosas somas de capital para o setor privado através dos abatimentos no imposto de renda, fazendo com que a classe média brasileira sustente os planos de saúde privados, que só sobrevivem devido à subvenção publica. Esta questão é resultado de uma correlação de forças que se alicerça no imaginário da classe média brasileira de que é necessário pagar pelos serviços de Saúde, aliada a força política das Operadoras e Seguradoras de Planos de Saúde, gerando um ciclo vicioso que alimenta a concepção de saúde como mercadoria. O símbolo desta questão é a composição da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), hegemonizada por interesses das Operadoras de Planos de Saúde.


5 – Neste cenário, compreendemos que a concepção da Reforma Sanitária Brasileira foi sendo desfigurada ao longo dos anos, tendo seu programa rebaixado apenas para a construção do Sistema Único de Saúde, este ainda sendo reduzido ao “SUS possível”. Isto se traduz nas precárias condições de trabalho, falta de infraestrutura e insumos, e vínculos de trabalho precarizados resultando na incapacidade de dar respostas às reais necessidades de saúde da população.


6 – Dentro do contexto de expansão Capitalista no Brasil, o setor privado deixou de ser inimigo do SUS para disputar os fundos públicos sob a tutela de “aliado” ou “prestador de serviço”. As Organizações Sociais e as OSCIPS são os símbolos desta modalidade, e estão avançando em todo o país, contratadas pelas mais diversas prefeituras, governos Estaduais e pelo próprio governo federal. Ainda neste contexto, surgem as propostas de Fundação Estatal de Direito Privado e da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), que guardadas algumas diferenças entre as OS´s e OSCIP´s, fazem parte de um mesmo pacote de Reforma do Estado com vistas a implementação de mecanismos de gestão do setor privado na esfera publica.


O Programa Mais Médicos


Analisaremos alguns aspectos da distribuição de médicos, mercado de trabalho e formação antes de adentrarmos na análise do programa.


O Brasil é um país de dimensões continentais e suas regiões guardam discrepantes momentos de desenvolvimento econômico e social. No que tange ao número de profissionais médicos economicamente ativos, o Brasil possui a razão de 1,8 médicos para cada mil habitantes.


Além do número baixo, esta população de profissionais se encontra concentrada nos grandes centros econômicos, tendo apenas cinco dos 27 estados do país com médias acima da média nacional. Ou seja, 22 estados do Brasil têm um número de médicos abaixo da média nacional, com estados como o Maranhão apresentando a razão de 0,58/mil e o imenso Estado do Pará a média de 0,77/mil.


Mesmo dentro dos próprios estados pode se observar a concentração dos profissionais nas capitais, regiões metropolitanas e litorâneas. Logicamente, esta concentração apresenta diversos fatores explicativos, um deles sendo, sem dúvida, a melhor infraestrutura dos equipamentos de saúde dos grandes centros. Porém, não é verdadeira a afirmação de que onde a estrutura dos serviços de saúde é adequada não faltam profissionais, pois a falta de profissionais médicos é generalizada, inclusive para o setor privado que sofre com a falta de profissionais especialistas.


Estudos do NESCON-UFMG apontam para mais um dado que deve ser levado em consideração no debate. Este estudo demonstra que há uma diferença significativa entre números de egressos e vagas de primeiro emprego para médicos recém-formados, com 18.722 admissões por primeiro emprego nos anos 2010/11 para 12.982 egressos. Isto significa uma razão de 1,5 entre admissões de primeiro emprego e número de egressos. Por outro lado, dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) consultados em dezembro de 2012 demonstram um total de 896.175 vínculos de médicos para 302.283 médicos cadastrados. De uma forma ou de outra, aliadas ao senso comum de que médicos possuem em média mais de um vinculo empregatício, esta profissão goza da situação de pleno emprego.


Ainda um dado que vale a pena destacar, é que o mercado tanto público quanto privado para postos de trabalho médico estão em franca expansão, e o quantitativo de egressos não chega nem à metade da capacidade de absorção deste mercado. Ou seja, o fosso entre o quantitativo de profissionais e postos de trabalho disponíveis tende a aumentar. Frisamos aqui que somos contrários a uma política de expansão dos serviços de saúde baseada no modelo biomédico, curativo, no sentido da “queixa-conduta”, ainda mais expansão do setor privado, porém nossa opinião a respeito desta expansão não pode ser cega ao fato de que ela existe.


Além disto, outro dado chama a atenção: mais de 700 municípios brasileiros não têm nenhum profissional médico atuando em seu território. Milhares de brasileiros precisam se deslocar para outras cidades, muitas vezes a centenas de quilômetros de distancia para ter acesso à assistência básica de saúde.
Na ausência de estudos consistentes e da própria afirmação da Organização Mundial de Saúde de que o país enfrenta vazios assistenciais importantes, o Ministério da Saúde definiu no escopo do Programa Mais Médicos como meta a razão do sistema de saúde inglês, que, depois do Brasil, é o país com Sistema de Saúde universal mais populoso, ou seja, 2,7 médicos para cada mil habitantes.


Historicamente, as faculdades de medicina foram criadas para dar acesso à formação entre a nobreza imperial, portanto, construídas onde habitavam. A implantação da República não interferiu, durante muito tempo, no ingresso e na localização das faculdades de ciências médicas, que se mantinham para as elites nas grandes cidades onde se concentravam. Muito menos alterou a lógica da formação do cuidado que, apesar do movimento da Reforma Sanitária, da Constituição de 1988 e da Lei 8080/90, permanece voltada para o mercado. Entendemos que a formação médica também deve acompanhar as necessidades sociais, com vistas a responder não só às demandas reais de saúde da sociedade, mas também a garantia de acesso às escolas médicas para os interioranos e desprivilegiados ao longo do tempo. Um dos eixos do Programa é voltado para o aprimoramento na formação médica, além da ampliação do número de vagas nos cursos de medicina e especializações, priorizando as áreas com maior demanda desses profissionais. A descentralização da formação é uma necessidade real que, associada a políticas de inclusão educacionais, podem produzir trabalhadores interioranos, formados no interior para trabalhar no interior, possibilitando maior resolutividade descentralizada.


Ao analisar estes elementos acreditamos que tal Programa responde a alguns problemas concretos da Saúde do País (mesmo que ainda insuficiente) por apresentar os seguintes eixos:


Ampliação das vagas nos cursos de graduação, propondo aumentar o numero de formandos a partir de janeiro de 2015. E, com o intuito de aumentar a quantidade de especialistas em áreas prioritárias ao Brasil e zerar o déficit da residência em relação ao número de formandos em medicina, serão criadas 12 mil vagas até 2017, das quais quatro mil nos próximos dois anos. Na expectativa que todo médico formado no Brasil tenha acesso a uma vaga na residência. O que para nós representa um avanço no que diz respeito à formação de especialistas nas áreas médicas, sendo demandado a partir da regulação do Estado por necessidade social, o que caminha para o combate às corporações médicas que por anos se autorregularam sem nenhum compromisso com as demandas sociais, ao decidirem por si quantos especialistas teria por categoria, mantendo a reserva de mercado.


Ampliação do acesso de populações desassistidas através da chegada de médicos estrangeiros (em caráter de missão), entendendo que o acesso da população aos serviços de saúde é um pré-requisito de fundamental importância para uma eficiente assistência à saúde.


É importante lembrar que a assistência à saúde no Brasil esteve historicamente vinculada à apenas uma parcela da população brasileira (a classe trabalhadora formal), tendo “os não trabalhadores formais” (maior parcela) mendigar como indigentes ações de saúde oferecidas por filantropias e instituições de caridade. Com a Constituição Federal de 1988, a saúde passa a ser um direito do cidadão e um dever do estado em provê-la, garantindo entre outros o acesso aos serviços de saúde. Hoje, quase 70% da população brasileira têm a rede pública como o principal fornecedor de serviços de saúde, sendo que 60% da população utilizam somente a rede pública, e prioritariamente tem como porta de entrada dos serviços de saúde de atenção primária, concretizada a partir do Programa de Saúde da Família - PSF, atualmente Estratégia de Saúde da Família – ESF, que será local de trabalho dos médicos estrangeiros no Brasil.


A crescente mercantilização da saúde no país tem trazido reflexos drásticos para a população mais carente (que não pode pagar por serviços médicos e de saúde), representando fortemente as iniquidades de acesso a esses serviços. Alguns nunca tiveram acesso a um médico. A desigualdade em saúde pode ser definida como a diferença no acesso a recursos e a fatores que influenciam a saúde, os quais podem se alterar por circunstâncias e contextos sociais ou por meio de políticas públicas; na existência de grupos sociais com mais vantagens que outros, a saúde é uma desvantagem adicional a esses grupos dos menos favorecidos socialmente. A falta do profissional médico nos locais onde reside a população menos favorecida simboliza e requisita a necessidade de intervenção estatal rápida além da garantia do direito a saúde recusado ou não concedido até então. Logo a alocação de médicos nesses locais como proposta do programa Mais Médicos oferece bases para a melhoria do acesso a população, o que consequentemente reduzirá as desigualdades sociais de acesso aos serviços de saúde.


Incremento do orçamento para reforma e ampliação da atenção básica, ao prever financiamento para infraestrutura, investindo R$ 15 bilhões até 2014 em infraestrutura dos hospitais e unidades de saúde. Desses, R$ 2,8 bilhões destinados a obras em 16 mil Unidades Básicas de Saúde e para a compra de equipamentos para 5 mil unidades. Estando também previsto investimentos pelos ministérios da Saúde e da Educação, na escala de R$ 5,5 bilhões para construção de 6 mil UBS e reforma e ampliação de 11,8 mil unidades. Assim, se propondo a enfrentar a dificuldade histórica, principalmente em municípios menos abastados, no que diz respeito às dificuldades em angariar recursos para estruturar a rede de saúde.


É nesse contexto que consideramos desonesta a afirmação de que se trata de medida puramente eleitoreira, uma vez que programa medidas que trarão resultados de longo prazo. Desta feita, discordamos dos argumentos da categoria médica e de parcelas da esquerda que se recusam a compreender os avanços embutidos na proposta.


Denunciamos o papel conservador e reacionário que vem cumprindo o Movimento Médico nesta pauta, se usando de argumentos hipócritas para justificar sua reserva de mercado. Em todos estes anos de SUS nunca se viu uma mobilização tão massiva por parte da categoria pela melhoria das condições de trabalho e financiamento do Sistema Único de Saúde, porque só fazer agora quando se sentem ameaçados pelos médicos estrangeiros, em especial os cubanos, contra os quais iniciaram imensa campanha mentirosa e difamatória? Em todos estes anos de SUS a categoria é complacente com os “caixas 2” feitos pelos hospitais privados que não cumprem com os direitos trabalhistas, pagando “uma parte na folha, e outra por fora”, e por vezes tratando os médicos como literais “bóias-frias” sem nenhum direito trabalhista garantido. Cobra os direitos ao governo, mas não cobra ao setor privado?


É importante denunciar que os movimentos políticos que a categoria médica tem feito nos últimos tempos são movimentos reacionários, que os colocam como um dos elos do pacto conservador da Saúde. E por ter tido a ousadia de enfrentar este pacto, por mais que atacando seu elo mais frágil, que entendemos importantes as medidas propostas pelo Governo Federal. Os Médicos não estão dissociados do restante da sociedade brasileira, e é importante destacar que nem todos os médicos compactuam com os movimentos da categoria. E por mais que se trate de uma parcela da classe trabalhadora suas movimentações políticas acabam por acumular para as elites que vivem do trabalho alheio, pois é com ela que está sua consciência de classe. Os Médicos e Médicas que vinham tentando tencionar o movimento para algo menos danoso, estão sendo perseguidos, numa atitude fascista e irracional.


Somos a favor de uma carreira de Estado para todos os profissionais de Saúde, pois entendemos que a saúde se faz em equipe multiprofissional. Porém entendemos que esta é uma ampla discussão que deve levar tempo e ser bem amadurecida, e esperamos ansiosos pelo dia que a categoria médica se sentará com as demais categorias para construir um Plano de Cargos, Carreiras e Vencimentos para todo o SUS, saindo da postura elitista e isolada que construiu ao longo dos anos com seu debate de carreira exclusiva para os Médicos.


Enfatizamos que discordamos do pagamento através de Bolsas sem o devido respeito aos direitos do trabalhador, como carteira assinada, FGTS, 13º salário e os demais benefícios. Entendemos que o programa tem caráter emergencial e de missão, porém a pauta histórica de proteção ao trabalhador e aos seus Direitos não pode ser deixada de lado. Neste sentido, repudiamos também o envolvimento da EBSERH no pagamento dos honorários dos profissionais, assim como repudiamos a própria EBSERH.


Refutamos ainda qualquer debate que perpasse a deslegitimação da Medicina Cubana. Alicerçada sobre os princípios de um Sistema de Saúde Universalizado, Cuba detém o melhor índice de expectativa de vida em relação a todos os demais países da América Latina e EUA (79,13 anos), assim como IDH e mortalidade materna, reflexo inquestionável de uma Atenção Primária estruturada, assim como dos demais níveis assistenciais que perfazem a cobertura de 100% da população cubana.


Além disso, não se limita tão somente a prevenção e promoção de saúde – como se costuma propagandear na tentativa de desqualificar a produção científica realizada em Cuba- uma vez que demonstra avanços científicos, a exemplo da pesquisa que evidenciou dos dois tipos de vacinas contra o câncer de pulmão testados em 86 países durante todo ano de 2012 e comprovadamente eficaz.


Desde 1961, mais de 135 mil profissionais de saúde cubanos trabalharam em 107 países, realizando transformações importantes na qualidade de vida dessas populações com redução da mortalidade infantil, materna a partir da ampliação do acesso à saúde. Hoje, a Organização Mundial de Saúde, através da OPAS (Organização Pan-americana de Saúde) mantém convênio de missões de médicos cubanos em 58 países; desta feita, revela a legitimidade e legalidade do Programa Mais Médico, assim como a importância do exemplo da Saúde Universalizada em Cuba para o SUS, por isso denunciamos e repudiamos qualquer tentativa de criminalizar o trabalho dos médicos cubanos no Brasil, ao dizer que se constitui trabalho escravo. Tendo em vista que os mesmos o fazem em 107 países do mundo, não seria no Brasil que tal se constituiria como trabalho escravo, muito menos a Organização Mundial de Saúde a maior agência de trabalhos escravos do mundo. É importante frisarmos que esta denúncia descabida parte de Deputados e Partidos que compõem a bancada ruralista do Congresso, que impede e tenta atrasar as investigações sobre o trabalho análogo ao escravo no território Brasileiro, pois sabem muito bem que em se concluindo as investigações, serão eles que irão para o banco dos réus!


Para finalizar, reiteramos nosso compromisso com as pautas históricas da Reforma Sanitária Brasileira e com um sistema político e econômico no qual seja possível sua efetivação. Para isto, seguiremos construindo força social por um Projeto de País que assuma a Reforma Sanitária em sua plenitude, assim como os demais direitos sociais. Não esperaremos sentados pela boa vontade de quaisquer governantes de plantão levarem a cabo este projeto, por compreender que este é o papel dos movimentos sociais e dos lutadores e das lutadoras do povo brasileiro.


Queremos Mais Médicos, e Muito Mais!


Fórum Recifense pelo Direito à Saúde e Contra as Privatizações